Atividades recreativas e deficiência: Perspectivas para a inclusão
Lazer inclusivo
Uma vez que os valores e conteúdos culturais do lazer
não se diferenciam dos usuais, não é conveniente falar em "atividades
recreativas para a pessoa com deficiência", não apenas porque existem
diferentes tipos de deficiência (mental, física e sensorial) e diversos
níveis de envolvimento, mas porque as pessoas são diferentes! É
preferível falar em "atividades de recreação que incluam a pessoa com
deficiência", ou seja, que permitam a sua efetiva participação, pois as
atividades de recreação e de lazer também são as mesmas; o que muda são
as condições nas quais essas atividades chegam até a criança com
deficiência.
O que deve variar são as estratégias e a metodologia
de ensino voltadas às necessidades de cada indivíduo, sendo necessárias
algumas adaptações que tornem possível a inclusão e o efetivo
envolvimento da pessoa com deficiência nas atividades propostas.
Dessa forma, se o profissional atuante deseja propor
uma atividade de pintura ao seu grupo, e entre as crianças existe uma
que apresenta deficiência motora, a qual, aparentemente, a impede de
realizar essa atividade, devem ser utilizadas estratégias de apoio, para
tornar essa atividade acessível a ela também. Nesse caso, se a criança
não consegue se juntar às demais no chão, basta convidar todas elas a
sentarem-se numa grande mesa.
Talvez, em vez de uma folha de papel sulfite, o
profissional possa oferecer a ela um papel maior e mais grosso (como a
cartolina). Fixar essa cartolina sobre a mesa, com o uso de fita
adesiva, pode auxiliar bastante a quem não pode contar com o auxílio
total das mãos. Pode ser que o profissional precise oferecer um pincel
mais grosso à referida criança, pois, assim, sua preensão se torna mais
fácil, ou, ainda, que seja necessário fixar o pincel à mão da criança
envolvendo-a com uma faixa. Ou, quem sabe, essa criança prefira segurar o
pincel com a boca e os dentes... Como se pode perceber, embora simples,
tais adaptações permitem a participação da criança e, por isso mesmo,
fazem a diferença!
Não existe uma "bula" para a indicação ou prescrição
das atividades recreativas a pessoas com essa ou aquela deficiência. O
que temos é um processo contínuo de descobertas, por meio de tentativas e
aprimoramento, de qual será a melhor forma de orientação para a
atividade, quais serão as adaptações necessárias com relação ao material
e/ou espaço físico, ou se a mudança de regras, de alguma forma, pode
colaborar no sentido de garantir o envolvimento dessa criança nas
atividades de recreação e de lazer. Estas são algumas etapas do processo
de adaptação de atividades de recreação e de lazer às necessidades e
interesses da pessoa com deficiência.
Cuidados e adaptações metodológicas
Alguns cuidados e dicas gerais podem contribuir para o
bom andamento do programa, tais como: incentivar a autonomia e
independência da pessoa com deficiência, evitando superproteção;
posicionar os participantes com maior e menor nível de comprometimento
intercaladamente durante a realização das atividades; oferecer quantas
chances forem necessárias; elogiar as tentativas que realmente expressam
o esforço do aluno.
A seguir será apresentada uma síntese superficial de
alguns cuidados e adaptações metodológicas que devem ser considerados
durante o planejamento, elaboração e aplicação de um programa de
atividades recreativas e de lazer inclusivo. Faz-se necessário reforçar
que a consulta ao quadro a seguir serve apenas como referência. Durante a
fase de planejamento, é essencial que o profissional iniciante procure
trocar idéias com outros profissionais que já tenham atuado junto à
clientela em questão, ou que já possuam alguma experiência na área.
Propostas de atividades
Antes de apresentar algumas sugestões de atividades
de recreação e de lazer, na perspectiva de inclusão da pessoa com
deficiência, tornam-se necessárias algumas considerações. Embora as
atividades descritas já tenham sido experimentadas com diferentes
grupos, de diferentes faixas etárias e condições variadas, vale
ressaltar que a escolha do momento oportuno e a adequação da atividade
ao grupo ficam a critério do bom senso profissional, assim como a adesão
por parte do grupo à atividade está diretamente relacionada à motivação
impressa pelo profissional responsável.
As atividades a seguir selecionadas estão
direcionadas a um público infantil com faixa etária entre 7 e 12 anos,
independentemente da deficiência apresentada. Conforme a atividade,
varia também a necessidade de adaptações quanto à instrução, materiais,
espaço físico e regras. Todavia, pode ser necessário proceder a mais
alguns ajustes ou adaptações, conforme as situações específicas.
Animais e Cia
Indicação: Recomendada aos momentos em que é
necessária a divisão dos participantes em subgrupos. A divisão de forma
lúdica e aleatória evita a formação das tradicionais "panelinhas" e,
sobretudo, evita a exposição e o constrangimento de indivíduos que
sempre são os últimos a serem escolhidos por seus colegas.
Objetivo da atividade: Procurar os animais da mesma "família" e reunir-se com eles.
Material necessário:
- Vendas para os olhos.
- Desenhos ou figuras de diferentes animais.
Desenvolvimento: O animador solicita aos
participantes que se disponham em círculo. A partir do conhecimento do
número de equipes que deseja formar, define mentalmente quantos tipos de
animais serão envolvidos na brincadeira. Exemplo: se é necessária a
divisão do grupo em 4 equipes, deverão ser escolhidos 4 animais, como
cachorro, galinha, vaca e gato. O animador solicita aos participantes
que não revelem o nome do animal, e vai dizendo no ouvido de cada um o
nome de um dos quatro animais previamente selecionados por ele. Depois
de informar confidencialmente a cada participante o nome de seu
respectivo animal, solicita a todos que tentem localizar os animais da
mesma "família". O animador esclarece que não é permitido comunicar-se
por palavras, apenas utilizando sons e gestos, para representar os
animais. Outro detalhe é que os participantes deverão permanecer com os
olhos fechados durante a procura por seus companheiros.
Adaptações necessárias:
- Materiais: Para auxiliar a participação de crianças
com deficiência física, que muitas vezes têm dificuldade de controlar o
tônus muscular e a permanência espontânea com os olhos fechados,
sugerimos o uso de vendas para os olhos. As crianças com baixa visão, ou
seja, que possuem certa visão remanescente, também devem ser
encorajadas a usar as vendas.
- Instrução: Para facilitar a compreensão da
atividade por parte das crianças surdas, convém utilizar desenhos ou
figuras dos animais.
- Regras: Estas últimas podem permanecer com os olhos
abertos, uma vez que não conseguirão aproveitar-se da discriminação
auditiva para identificar seus semelhantes.
Sugestões: O animador deve atribuir os nomes dos
animais às crianças, conforme as capacidades e habilidades de cada uma.
Por exemplo: caso uma das crianças seja paraplégica (classificação de
deficiência física provocada por paralisia dos membros inferiores) e
possua condições de se arrastar pelo chão com auxílio do tronco e
membros superiores, o animal determinado a ela poderia ser uma "cobra".
Nesse caso, seria necessária mais uma adaptação material: o uso de
colchões no espaço físico, para que a criança tenha liberdade de
rastejar sem se machucar.
Comentários: A permanência com os olhos fechados
estimula a utilização de outros órgãos sensoriais, contribuindo para a
ampliação da percepção do ambiente. Essa atividade também incentiva a
expressão corporal e favorece as habilidades de comunicação
interpessoal.
Tato Con-tato
Indicação: Essa atividade proporciona a possibilidade
de experimentação de novos modelos e estimula a capacidade de
ajustamento e adaptação a novos padrões, contribuindo para o processo de
aceitação das diferenças.
Objetivo da atividade: Compor e trabalhar esculturas corporais.
Material necessário: Vendas para os olhos.
Desenvolvimento: Os participantes serão divididos em
trios: um será o "escultor", outro será a "imagem" ou o modelo e o
terceiro será o "bloco de mármore" ou a matéria prima a ser trabalhada.
Após a definição dos papéis, o animador solicita a todos os
participantes que fechem os olhos. Aqueles que desejarem poderão
utilizar vendas. A "imagem", então, cria e assume determinada pose,
permanecendo imóvel, como se fosse uma estátua. O "escultor" toca a
imagem com as mãos, tentando percebê-la em todos os seus detalhes
(posição, postura, expressão facial etc.) e, em seguida, tenta passar ao
"bloco de mármore" a "imagem" percebida, por meio do tato e do contato.
O "bloco de mármore", por sua vez, deve tentar permanecer na posição
determinada pelo "escultor". Ao concluir a obra, o "escultor" comunica
aos demais, quando, então, todos podem abrir os olhos e comentar a
experiência.
Adaptações necessárias:
- Instrução: Depois de concluída a escultura, é
importante que a pessoa com deficiência visual receba um feed-back,
baseado em descrição verbal, para facilitar a compreensão dos
comentários e comparações entre a "imagem" e o "bloco de mármore".
Sugestões: Para tornar a atividade mais relaxante, pode ser utilizada uma suave música de fundo.
Comentários: Essa atividade consiste na adaptação de
um jogo cooperativo proposto por Brotto (2000), e não exige grandes
adaptações. É uma atividade que estimula a concentração e amplia a
percepção tátil.
Brincando de Massinha
Indicação: Atividade sugerida para ser desenvolvida
em ambientes domésticos ou em dias de chuva. Crianças mais novas (a
partir de 3 anos) também podem se divertir com essa brincadeira!
Objetivo da atividade: Brincar com massa de modelagem produzida artesanalmente.
Material e ingredientes necessários:
- 1 bacia de plástico de tamanho médio;
- 3 copos de farinha de trigo;
- 1 copo de sal refinado;
- 1 colher (sopa) de óleo vegetal;
- 1 copo de água filtrada (250 ml);
- 1 pacote de suco em pó. Recomenda-se o sabor de
laranja ou uva para garantir um colorido atraente. Importante que o suco
em pó não contenha adição de açúcar ou adoçante.
Desenvolvimento: Colocar a farinha de trigo e o sal
na bacia, misturando os ingredientes secos. Adicionar uma colher de sopa
de óleo e misturar bem. Diluir o suco em pó no copo com água filtrada e
despejá-lo aos poucos sobre a mistura de farinha, sal e óleo. Em
determinado momento, será necessário utilizar as mãos para misturar os
ingredientes, até obter uma massa homogênea. Para ser reutilizada, a
massinha pode ser colocada dentro de um saco plástico e guardada na
geladeira, chegando a durar, aproximadamente, 1 semana.
Adaptações necessárias: Nenhuma.
Sugestões: Deixar que as próprias crianças preparem a
massinha, dosando e adicionando os ingredientes necessários.
Incentivá-las a explorar e experimentar o sabor do sal, o gosto do suco e
da massinha. Fazer diversas cores de massinha e incentivar a confecção
de diferentes objetos e formas.
Comentários: Além de exigir noções de quantidade e
conceitos espaciais envolvidos na confecção da massinha, a modelagem
favorece a criatividade, o desenvolvimento de habilidades manuais e a
expressão artística. O preparo da massinha pode ser inserido dentro de
um contexto simbólico, como uma brincadeira de casinha ou coisas do
gênero.
Na boquinha da garrafa
Indicação: Atividade que depende, basicamente, da
cooperação entre todos os participantes para a superação do desafio
coletivamente. Recomendada para ressaltar a importância do trabalho em
equipe, podendo ser aplicada a grupos de jovens, adultos e idosos.
Objetivo da atividade: Conseguir introduzir a caneta pendurada num barbante através do gargalo de uma garrafa.
Material necessário:
- 1 rolo de barbante;
- 1 caneta;
- 1 tesoura;
- 1 garrafa plástica vazia;
- 1 jarra de plástico vazia.
Desenvolvimento: O animador solicita aos
participantes que dêem as mãos e formem um círculo. Em seguida, pede a
um dos participantes que segure a ponta do barbante com as duas mãos
(fechadas e com as palmas voltadas para baixo). O animador vai
desenrolando o barbante no sentido horário e solicitando a cada criança
que o segure da mesma forma que a anterior. Depois de formar um círculo
completo de barbante, segurado e mantido por todas as crianças na altura
da cintura, o animador une as duas pontas do barbante com um nó, e
continua trançando o barbante, agora em diferentes sentidos e direções,
como se estivesse tecendo uma "teia de aranha". O barbante deve se
cruzar algumas vezes no centro do círculo, onde deverá ser pendurada uma
caneta presa a um pedaço de barbante de aproximadamente 50 cm de
comprimento. O animador posiciona a garrafa plástica no centro do
círculo, e solicita a todos que tentem introduzir a caneta no gargalo da
garrafa. Para isso, todos deverão coordenar e sincronizar os
movimentos, de forma a conseguir alcançar o objetivo.
Adaptações necessárias:
- Materiais: Caso o grupo tenha dificuldade de
coordenar os movimentos e esteja muito difícil enfiar a caneta no
gargalo da garrafa, o animador deve substituir a garrafa inicial por
outra com o gargalo maior ou, se necessário, utilizar uma jarra com a
boca larga. Dessa forma, fica mais fácil conseguir realizar a atividade
proposta.
- Regras: Caso a atividade esteja sendo realizada com
facilidade pelo grupo, o animador pode estipular um tempo menor para
que o grupo consiga atingir o objetivo.
Sugestões: O animador pode sugerir algumas variações
para aumentar o desafio, tais como: mudar a garrafa de lugar; solicitar a
todos que segurem o barbante posicionando-se de costas para o círculo;
sugerir que todos tentem realizar a atividade em silêncio; solicitar a
todos que fechem os olhos e que se deixem orientar apenas por um dos
participantes, que estará de olhos abertos.
Comentários: Essa atividade reforça a importância da cooperação em torno de um desafio comum. Além disso, exige concentração e habilidades relacionadas à coordenação motora fina. É possível, ainda, observar a iniciativa e capacidade de liderança entre os participantes.
Comentários: Essa atividade reforça a importância da cooperação em torno de um desafio comum. Além disso, exige concentração e habilidades relacionadas à coordenação motora fina. É possível, ainda, observar a iniciativa e capacidade de liderança entre os participantes.
Golbol
Indicação: O golbol é uma modalidade esportiva
concebida especialmente para permitir a participação de pessoas com
deficiência visual. Como todos os participantes são incentivados a
utilizar vendas nos olhos, qualquer pessoa pode ser incluída nesse jogo.
Objetivo da atividade: Fazer com que a bola ultrapasse a linha de fundo do campo do time adversário.
Material necessário:
- 6 vendas para os olhos;
- 2 rolos de fita adesiva (5 cm de largura);
- 1 rolo de barbante ou corda de varal;
- 1 bola com guizos;
- 1 apito;
- 6 pares de joelheiras e cotoveleiras.
Desenvolvimento: O animador deve preparar o espaço
físico previamente, conforme descrito no item seguinte. As dimensões da
quadra de golbol são proporcionais à quadra de voleibol (9 x 18 m). Cada
equipe é composta por 3 jogadores, devidamente equipados e posicionados
cerca de 2 m antes da linha de fundo de seu campo, observando as
demarcações táteis na quadra. Sorteia-se a posse de bola, a qual contém
um guizo em seu interior, e um dos times começa atacando. Um dos 3
jogadores da equipe "A" arremessa a bola à frente, em direção à linha de
fundo da equipe adversária. A bola deve ser lançada como uma bola de
boliche, em trajetória rasteira ao solo. Os jogadores da equipe "B",
orientados pelo som da bola, devem tentar bloquear a passagem da bola
com o seu corpo, impedindo que a equipe "A" marque gol. A cada gol
realizado, é marcado um ponto. Em caso de defesa, a equipe recupera a
posse de bola e realiza o contra-ataque. Quando a bola sai da quadra
pelas linhas laterais, o árbitro concede a posse de bola à equipe em
situação defensiva.
Adaptações necessárias:
- Espaço Físico: Para favorecer a orientação espacial
dos participantes (que estarão vendados e não poderão contar com o
auxílio da visão), a quadra deve ser demarcada com barbante e fita crepe
em toda a sua extensão. A fita adesiva é colocada sobre o barbante
esticado em todo o comprimento da linha demarcatória, para permitir a
orientação tátil-espacial pelo relevo resultante dessa operação.
- Materiais: A bola de golbol é pesada e tem o
tamanho aproximado de uma bola de basquetebol. Os guizos em seu interior
favorecem a sua localização enquanto ela está em movimento. Como é um
material difícil de ser encontrado no Brasil, é possível improvisar
envolvendo uma bola de futebol de campo em papel celofane ou sacos
plásticos, fixados com fita crepe. É preciso que o saco plástico seja
"barulhento", como aqueles distribuídos em supermercados.
- Regras: Ao observar que uma mesma criança realiza
vários arremessos consecutivos e, conseqüentemente, priva as demais da
oportunidade de arremessar, o animador pode acrescentar uma regra em que
seja proibida a realização de dois passes consecutivos pela mesma
pessoa, ou que incentive a troca de passes entre todas as pessoas do
time.
- Instrução: A criança com surdez também deverá
utilizar a venda. Como ela não pode se orientar prioritariamente pelo
sentido auditivo para localizar o som da bola, o animador solicitará a
uma quarta criança (sem os olhos vendados) que se posicione atrás da
criança surda e indique, por meio de um toque no ombro direito ou
esquerdo dela, a direção da trajetória da bola. Dependendo do nível de
comprometimento motor, crianças com deficiência física poderão
participar do jogo, desde que posicionadas sobre uma fina placa de
espuma para proteção.
Sugestões: É interessante convidar crianças sem
deficiência a participar dessa atividade, pois, por meio do uso da
venda, essa atividade permite a experiência de se colocar, por alguns
minutos, no lugar do outro.
Comentários: Como muitos outros jogos derivados de
modalidades esportivas, o golbol é uma atividade que envolve a
competição. Quando adequadamente conduzido pelo animador ou técnico,
esse elemento pode proporcionar um alto grau de motivação aos
participantes.
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